27 de outubro de 2010

Geo-Raid Montalegre - Dia 2

Boas a todos!
.
Depois de um final de dia cheio de emoções fortes, misto de alegria e algum cansaço, com a alma plena de bons momentos e memórias fotográficas nunca antes vistas, era mesmo tempo de descansar, recuperar energias e prepara-nos física e mentalmente para a continuação da aventura, já daí a algumas horas.
.
A pitoresca mas requintada Casa do Castelo iria nas próximas horas proporcionar-nos a recuperação e o ansiado descanso depois de um dia em cheio. Com a aproximação da hora de jantar e depois de um retemperador banho, era tempo de descermos ao bar-café, no rés-do-chão desta bonita casa turística e apreciar o bem-vindo calor da granítica lareira, onde o lume já arde há algumas semanas, porque por aqui as noites já são frias.
.
Ali mesmo ao lado, na pequena mas bem apetrechada cozinha, aberta ao olhar de todos a cozinheira movia-se com um á vontade de quem domina bem a sua arte… iguarias de Montalegre são com ela! Mesmo em frente, na típica mas refinada sala do restaurante, a dona deste bonito cantinho recebeu-nos com o calor próprio destas gentes, afáveis, singulares, oferecendo-nos uma mesa agradável, com as originais cadeiras a dar o merecido descanso ás pernas…. Era tempo de comer e repor as energias gastas!
.
A sopa fumegante cheirava a Portugal e sabia a terra fecunda, confortando-nos o estômago com um travo delicioso a feijão e couve repolhuda… Para segundo, a gastronomia local foi incontornável – uma deliciosa Posta Barrosã preencheu-nos o prato com a batata assada e os legumes a complementar. Para quem não sabe a Posta Barrosã é o ex-líbris gastronómico desta região – um belo naco da rabada do vitelo barrosão, considerada como carne de primeira. A título de exemplo o bife de vitela é por aqui é carne de 3ª e da carne de vaca nem se fala… E têm razão! Que delicia de carne! Nunca, nunca tinha provado tal sensação nas minhas papilas gustativas! Excelente!

Para terminar um docinho de coco, a lembrar as sobremesas da minha avó, que ainda me acentuou mais a sensação de papinho cheio! Estava que nem podia! Que bem se come por estes lados! Para terminar uma boa conversa com o dono da Casa do Castelo, um genuíno montalegrense, profundo conhecedor da sua terra, que com um à vontade de quem sabe receber, nos brindou com uma amena cavaqueira acompanhada de uma típica “queimada” (aguardente queimada com mel, café e fruta) feita para o Chakal, o famoso cozinheiro que nessa noite estava no Castelo a gravar mais um programa de culinária… sorte a nossa!

Foi assim a nossa recuperação, complementada com um sono dos justos na calmaria e sossego da zona, onde ninguém nos incomodou, somente os sonhos e emoções que nos esperavam na etapa seguinte… mais um dia em cheio amanhecia e esperava por nós!
.
O Noroeste Transmontano é tipicamente mais povoado e nem neste cantinho, quase inóspito e distante, isto deixa de ser uma verdade. Neste segundo dia esperava-nos novamente um Georaid diferente de todos os anteriores, mais bonito, com menos quilometragem e visitando inúmeras aldeias – 14 ao todo, ao longo desta incursão à zona Nordeste de Montalegre, privilegiando agora a visita á Serra do Larouco, a terceira mais alta de Portugal Continental.Seria mesmo a Serra do Larouco o factor mais importante desta 2.ªa etapa, pois para além de ser uma das subidas mais importantes do dia, é em termos paisagísticos e biológicos um marco relevante para todo o trajecto pois marca duas realidades distintas – a primeira parte do percurso iria calcorrear a vertente mais oeste da montanha, dominada pela influencia do Rio Cávado, uma zona mais atlântica, mais húmida onde dominam os carvalhais, as turfeiras, as terras de regadio e o granito, sempre com uma fauna riquíssima.
.
Passado o Larouco para este, entraríamos na segunda parte do percurso, onde predomina um clima mais continental, com os castanheiros, os campos de sequeiro e algum xisto na zona de Gralhas a marcar a paisagem, sendo os ribeiros afluentes já não do Cávado mas sim do Tâmega e consequentemente do Douro.
.
Tal como no primeiro dia, este alvoreceu solarengo mas frio, a lembrar que estamos em pleno planalto do extremo norte de Portugal, brindando-nos com a mesma paisagem avassaladora do dia anterior – ao fundo as montanhas despertavam, iluminadas pelos primeiros raios de sol, com o vale a seus pés ainda dominado pela luz da madrugada e um nevoeiro baixinho a dar um ar de terra do além…. Bonito, muito bonito!
.
Depois de mais um madrugador pequeno-almoço, dominado pelo presunto da região e um doce de abóbora e marmelada caseiros, capazes de fazer crescer água na boca a um ermita, era tempo de pegar nas manas Trek e fazer-nos aos 70 km da 2.ª etapa deste Georaid de Montalegre, considerada a mais bonita desta série, mas nem por isso menos exigente quer em termos físicos, quer em termos técnicos… nada que nos atormentasse muito – estávamos ali sobretudo para apreciar toda a plenitude do momento, todo o gozo proporcionado por pedalar neste Portugal profundo, sensações indescritíveis, que somente vividas podem ser entendidas e interpretadas pelos seus protagonistas.
.
Pouco passava das 08 horas quando fizemos a foto de grupo da praxe, novamente com o Castelo em pano de fundo, só com a diferença das camisolas vestidas pois a dupla mantinha-se a mesma – FMike e JValente - BTTHAL em acção! A saída fez-se em pendente descendente até aos 900 m, em direcção ao vale sobranceiro ao Cabeço das Fragas, onde para lá chegarmos começamos por palmilhar um trilho recentemente lavrado, que pôs á prova logo todo o potencial das suspensões dianteiras, numa altura em que os pulsos ainda acusavam o desgaste do dia anterior, com o rabinho igualmente dorido a queixar-se… mas quem corre por gosto!...
A paisagem aquela hora era simplesmente divinal pois a neblina matinal, conjugada com a luz solar criava um panorama fotográfico raro… muito bonito.
.
O momento seguinte era de subida até aos 1250 m, que serviria para dar o primeiro aquecimento às pernas, que no meu caso se estendeu ao corpo todo, pois rapidamente tirei os manguitos tal foi o calor que comecei logo a sentir… a fornalha estava ao rubro! E as emoções também!

O estradão alongava pela encosta quase despida e parecia um luxo depois dos trilhos do dia anterior, mas… nem tudo o que parece é, e o GPS rapidamente começou a dizer que era para a esquerda quando o estradão continuava á direita… gaita… mais um trilho tipo parede, técnico q.b., pejado de paus, mato e pedras soltas, o ideal para acordar os sentidos.

Mas no final da íngreme subida, a vista premiou o esforço ao permitir estender os sentidos até ao horizonte longínquo – para sul acordava lentamente Montalegre com o vale nevoento a seus pés; Donões e Sabuzedo para Oeste brilhavam na sua pacatez de pequenos lugares; para Norte e Este dominava numa verdadeira paisagem de montanha em pleno Outuno, com os Cabeços das Lamas, Alto e Maceiras brilhavam, despidos de floresta mas dourados pela vegetação seca de final de Verão e o Larouco lá longe a desafiava-nos do alto dos seus mais de 1500 m… A gente já lá vai!

Seguiu-se uma doce descida que nos levou novamente aos 1000 m onde entramos na primeira aldeia – Padroso (km 12) que aquela hora ainda dormia, na rusticidade das suas graniticas casas típicas, com um Tareco a espiar-nos a medo por debaixo da porta… “Querem ver que me dão cabo da caça aos ratos?”

Atravessado o Cávado na região dos Gamelados, seguia-se o começo da segunda subida do dia que nos levaria até ao Larouco, passando primeiro pela aldeia de Padornelos, localizada no Alto da Fontela, onde para chegarmos fizemos mais uma belíssima calçada romana, com uma pendente invejável. Já na aldeia foi tempo de fotografar, conviver e apreciar as lides do povo barrosão, que no seu linguajar espontâneo mas bem picante, capaz de fazer corar uma corista, iam preparando os animais para mais um dia de labor agrícola.

A pendente continuava em ascendência, quando na base do Larouco, tivemos o avistamento de mais um grupo de garranos com os respectivos potros, que debicavam tranquilamente a vegetação da serra, a titulo de pequeno-almoço, mantendo-se calmos á nossa passagem pois decerto estarão habituados á presença humana, devido á proximidade da pista de parapente.

Apesar da sua imponência singular – uma serra pejada de vegetação baixinha, sem árvores, um verdadeiro caramouço de fazer suar as estopinhas, o Larouco não foi subido na sua totalidade pois quase a 1400 m, ao km 18, o track embicava para uma passagem entre o topo do Larouco e o vizinho Larouquinho, onde começava uma descida até Gralhas.

Bem uma descida até aos 900 m…. Que bom… Vamos descansar… Nada mais errado! Como sempre, descidas neste Georaid, - regos, pedra solta, areão, pendentes excessivas, continuavam a ser sinónimo de dificuldade, exigência técnica e alguma atenção pois seria fácil cair aqui e pôr toda a aventura em risco pelo que a descida foi feita com ponderação e alguma calma, embora a paisagem fosse novamente gratificante! Muito bonito!

Feita a descida e já na base sul do Larouco, entravamos ao km 24 na aldeia de Gralhas, conhecida pela sua população afável, gente rija, maioritariamente constituída por lavradores e pastores, o sítio ideal para uma cafezada, onde pudemos mais uma vez constatar o linguajar típico bem picante, mesmo em idosos com 80 ou 90 anos…. Super divertido….eheheheheh...

Com a cafeína no bucho e depois de uma “sentido adeus” á “malta” idosa, saímos da aldeia por alguns singles, atravessando a EN 508 em direcção a outro majestoso “caroço”, o Picoto da Lagoa, por um trilho que evidenciava bem que estávamos em altitudes de neve, pois era dominado novamente por vegetação baixinha e inúmeros regos e pedra solta que dificultava a progressão. Não subimos ao alto deste cabeço fazendo uma viragem para Meixedo (km 28), outra aldeia onde fizemos mais alguns singles técnicos, aqui e ali pejados de pedras….uiiii meus pulsos!

A pendente continuava em subida, pois estávamos a começar a 3.ª subida do dia que nos iria levar até perto dos 1200 m, passando por Codeçoso (km 30), São Mateus (km 35) sempre em direcção ao topo do Alto do Manjão, passando pelos VG do Gordo, Ferronho e Vigia, todos acima de 1200 m, umas serranias caracterizadas por intensa floresta de pinheiro e carvalho, bem verdejantes a contrastar a primeira parte antes do Larouco, muito mais seca e sem floresta…. Esta região é mesmo uma terra de contrastes…

Lá no alto dos 1200 m obtivemos mais uma excelente paisagem para sul, com a Barragem de Pisões – Alto Rabagão, a dominar, com o seu imenso lençol aquífero, mais uma paisagem de sonho…

Era tempo de descer até aos 875 m, novamente por terrenos difíceis, agravados pela passagem de fogo na zona, que empobreceu a paisagem. As aldeias seguintes eram Cortiço (km 40), Gralhós (km 43), Aldeia Nova do Barroso (km 45), Peireses (km 48), e arredores de Medeiros (km 50), aldeias singulares desta zona, dominadas pelo casario típico, muito dele abandonado, onde entramos sempre por trilhos estreitos e singles, alguns bem técnicos, por vezes com a estrada alcatroada mesmo ao lado…. Grrrr!!!

Mas o track era para cumprir e foi sempre cumprido na íntegra! È assim que se descobrem cantinhos imemoráveis! Até tivemos direito a uma foto de pormenor ao gado vacum da zona, dose extra de castanhas á borla e inclusive dormitar nuns farditos de palha, que naquele momento pareciam camas tipo ortopédicas, pois o corpinho ia maçado e pedia descanso… mas era preciso continuar!

Num constante sobe e desce, sempre bem exigente, chegamos a S. Vicente de Chã (km 53) onde esperávamos encontrar um cafezito para beberricarmos algo mais musculado… mas nada! Tudo deserto! Só fontes, sempre com água cristalina… e claro… bosta por todo o lado! Mais nada!

Lá seguimos até Torgueda (km 54), onde no alpendre da igreja matriz acabamos por comer mais qualquer coisita para preparar as pernas para a última subida do dia, que nos desafiava com as suas eólicas lá bem no cimo, a contrastarem com o azul celeste.

Depois de Torgueda entramos então num dos trilhos mais bonitos do dia, bastante acessível, passando inicialmente por inúmeras zonas de lameiros, verdejantes e pejados de levas de água, sempre ao redor desta aldeia, entrando depois em Castanheira (km 55), onde mais uma vez um dupla de idosas, curiosas com a nossa presença, lá meteram conversa com este dois “putos” vestidos de lycra e com ar de alucinados, que suscitavam imensa curiosidade… “Vão para Montalegre? Pela serra? Ai coitadinhos…”

Pois é… serra acima até aos 1250 m, até às eólicas, até à glória de completar mais um Georaid! Mas era preciso lá chegar, pelo que pedal ante pedal, lá fomos vencendo as curvas de nível, sempre com a paisagem a premiar-nos pela astúcia de lá subirmos – a barragem lá do alto tem outra beleza!

Passados os Altos do Muro Cavalo, Cambezes e Fachos, entravamos novamente em zona de floresta verdejante, onde os raios solares da tarde davam bonitas imagens ao trespassar todo aquele arvoredo. Pouco a pouco as árvores começaram a ser substituídas pelo aço do parque eólico da Serra das Treburas, que com a sua imponência dominam todo o cume da serra – era ali o nosso ponto de glória, pois a partir dali era sempre a descer até Montalegre!
Estava quase…

Com a zoada das pás em tom de fundo, e já bem perto das 15 h que atingimos o cume da Serra, onde pudemos gozar o momento de termos alcançado mais alguns topos deste nosso bonito Portugal. O Georaid de Montalegre estava "a dar as últimas", a alma ia cheia de bons momentos e fantásticas paisagens e o corpo… bem esse ia maçado mas contente! Era mais uma daquelas que fica na memória dos “Reais Empenos”… fantástico!

Era tempo de descer, até porque tínhamos a dona da casa do Castelo á nossa espera para nos dar oportunidade de tomar uma banhoca para regressarmos a CBranco. Rapidamente, pois o trilho assim o permitia, foi num zig-zag constante, bem adrenalinico, que chegamos novamente á Praça do Municipio de Montalegre, onde escolhemos a estátua do João R. Cabrilho para fazermos as fotos finais.

Para quem não sabe este cronista-explorador-navegador do séc. XVI, que descobriu a Califórnia ao serviço da coroa espanhola, é natural de uma aldeia perto de Montalegre (alguns historiadores dizem de Sesimbra) e tem diversos monumentos elucidativos á sua memória.

Tal como ele, neste local concluíamos umas das mais alucinantes aventuras que já tínhamos feito na nossa pele de ciclo-turistas lúdicos, exploradores do Portugal profundo, navegadores de trilhos memoráveis – o Georaid de Montalegre, o 3.º da série – depois de Lousã e Estrela - aventuras épicas delineadas para este ano de 2010. S. Pedro do Sul ficará para 2011, assim a paisagem recupere o suficiente, talvez no final de Maio.

Resta-me acrescentar que para a sua boa “conclusão”, que não é mais que um “até já”, contribuiu decididamente o esforço global e colectivo enquanto equipa BTTHAL – palavras como entrosamento, cumplicidade, amizade e partilha são obrigatórias para concluir com sucesso tais aventuras, sempre num clima de descontracção, apreciação e embevecimento. Porque esta é a nossa postura – Obg. João Valente.
Outras estão no horizonte. Vamos manter este espírito. Quem comungar de tal maneira de estar é bem-vindo e apreciada a sua companhia... Porque seria bom ter mais amigos ao nosso lado!
,
Até á próxima!
.
FMike :-)


20 de outubro de 2010

Geo-Raid Montalegre - Dia 1

O antigo território do Barroso que abrange os actuais concelhos de Montalegre e Boticas, situa-se no extremo Noroeste Transmontano, portas meias com terras de Espanha! Os 357Km’s que distam da cidade de Castelo Branco são desde logo uma dificuldade à realização de uma aventura deste género! Mas… a mística envolvente ao cenário de alta montanha barrosã motiva-nos de maneira ímpar e impulsiona-nos a avançar em mais uma aventura que certamente perdurará nas nossas memórias!

Eu (João Valente) juntamente com o Fernando Micaelo rumámos a Montalegre no dia 12 de Outubro, com o objectivo bem definido… cumprir na íntegra os trilhos Geo-Raid Series® Montalegre 2010 nos seguintes dias 13 e 14 de Outubro. A expectativa era alta, e esperávamos viver momentos épicos no seio do ambiente mágico… e agreste do Barroso! Esperávamos absorver o que de mais valioso estas terras possuem… a natureza, a cultura e as gentes! As nossas bikes estavam prontas para a aventura e nós… nem se fala!!

Ficámos alojados na vila de Montalegre, na Casa do Castelo (aqui), uma residencial típica, com um processo de restauro muito cuidado e gosto requintado. O Castelo Medieval de Montalegre, soberba construção de outrora e em estado de conservação invejável… estava a cerca de 100 metros da “nossa” porta! A proximidade a este símbolo do Barroso, inspirava-nos confiança, e vontade para vencer as dificuldades dos 2 dias que se avizinhavam!

Geo-Raid Montalegre - Dia 1

13 de Outubro - 7:45 - Energias recompostas com lauto pequeno-almoço na Casa do Castelo, TrekBikes prontas, fotografia nº1 com o Castelo de Montalegre em background. Iniciava-se o Dia 1 do “nosso” Geo-Raid Montalegre! Embora se registe alguma instabilidade no clima nesta altura do ano, as previsões apontavam para 2 bons dias soalheiros de puro BTT! Tivemos temperaturas baixas no início e no final do dia, muito motivadas pela altitude a que fica Montalegre. Iríamos percorrer zonas de alta montanha, quase sempre acima dos 1000 metros de altitude, pelo que era importante termos algum agasalho e em simultâneo a possibilidade de nos sentirmos frescos nas horas mais quentes do dia: Camisola térmica de manga comprida, Jersey de manga curta, manguitos e calções (as pernas… essas não iriam passar frio!)… foram as nossas opções para este 1º dia.
.

À saída da zona do Castelo fomos desde logo brindados com uma paisagem avassaladora! O miradouro permitia-nos observar um longo manto de nevoeiro baixo, deixando ver aqui e acolá… lá em baixo… os telhados habitacionais. Num nível bem acima… os picos montanhosos faziam-nos relembrar que iríamos embarcar uma aventura Geo-Raid onde a montanha e os marcados perfis são imagem de marca!

Percorríamos as ruas e ruelas de Montalegre… desertas… e sentia-se no ar o cheiro invernal da lareira acesa, espectacular! Depressa entrámos em trilhos de pinhal denso, em ascensão ligeira e bom piso, km após km… era importante fazer um bom aquecimento! A subida ia acentuando, os km’s avançavam e o estudo altimétrico que sempre fazemos nestas incursões não estava nada condizente com a progressão no terreno! Esquisito (pensei!) Estávamos a subir demais relativamente ao estudado! Ao Km 6 parámos e o FMike analisou o GPS… erro de navegação!!! De facto estávamos no trilho a percorrer, no entanto, já no trilho de regresso! Cerca de 3-4km’s percorridos, em subida, erradamente! Perdemos aqui algum tempo, que nos poderia ser precioso para terminar a etapa com sucesso! A gestão da luz solar era uma preocupação fundamental, e os estimados 108 (duros) Km’s não nos davam muita margem de manobra! Um misto de preocupação, frustração e irritação instalou-se entre nós! O FMike não se perdoava! Na verdade, o aspecto da navegação torna-se bem mais complicado de realizar quando fazemos este tipo de percurso em autonomia, uma vez que não se pode descurar a leitura correcta do GPS! Ainda para mais… quando apenas um de nós tem a cargo essa responsabilidade! Uma viragem mais brusca… faz-nos perder a rota facilmente! Foi o sucedido! 180º, voltámos a descer o que tínhamos subido, para depois entrar no trilho correcto!



Um trilho algo acidentado, recentemente lavrado, onde as chuvas da semana anterior fizeram estragos consideráveis! Para além de acidentado, terreno muito pesado! A sua progressão levou-nos até Cambeses do Rio (Km7), aldeia que subsiste com base na pecuária e na agricultura de subsistência, sobretudo na produção de batata e centeio. O gado bovino ou vacum é uma realidade destas gentes e bem presente diante dos nossos olhos… e narizes!!!! As ruelas empedradas e ladeadas de antigas casas de pedra roliça encontram-se pejadas de excrementos (vulgo bosta!) em toda a sua continuidade! Digno de ser visto! O cheiro é característico e funde-se com o cheiro a fumo proveniente das lareiras! Alguém nos disse que nas terras frias do Barroso a lareira está a arder 10 meses no ano!!


O isolamento geográfico a que estas terras estiveram (e estão!) votadas até algumas décadas atrás, fez com que um rico e bem conservado património natural e cultural sobrevivesse até aos dias de hoje. Encontramos vestígios arquitectónicos de diferentes períodos da história, aldeias de construção tradicional, e extensas manchas de carvalhal ao longo dos Km’s percorridos! A passagem sobre o Rio Cávado ilustra um desses momentos! A neblina sobre as águas torna-as místicas e a ponte milenária onde passa o PR de Fiães do Rio é simplesmente sublime!

Contrariamente a outros percursos Geo-Raid, contactamos muito de perto com as gentes e lugares destas zonas. Neste primeiro dia atravessámos ou ladeámos com muita proximidade 14 aldeias barrosãs. Este aspecto, confere-nos uma experiência cultural dos usos e costumes bem mais rica que outras edições Geo-Raid.

Seguiram-se as aldeias de Frades, Sezelhe e Travassos, que nos fizeram companhia entre os Km’s 12 e 15, brindando-nos com pequenos tesouros destas terras. Espigueiros marcados pelo tempo ainda hoje em utilização, calçadas cheias de histórias e memórias, a senhora de lenço na cabeça e enxada ao ombro com olhar desconfiado, o gato que espreita a medo pela porta envelhecida… as teias de aranha por trás da janela de madeira! Pormenores… sim pormenores que nos enchem a alma e nos fazem enriquecer a história da nossa aventura… muito mais do que um simples pedalar!

Até Vilar de Randim (Km 35) percorremos algumas zonas mais inóspitas, mas de similar beleza natural. A altimetria torna-se mais exigente, as subidas mais íngremes aparecem, chegando a pedalar perto dos 1400 metros de altitude. Entrámos em perímetro espanhol, bem demarcado por diversos marcos fronteiriços onde o “P” relembra que estamos em Portugal e o “E” aponta para território de “nuestros hermanos”! Era possível ter um pé… ou uma roda em cada país! Uma novidade na história do Geo-Raid e também nas nossas aventuras em BTT!!


Em Vilar de Randim efectuámos uma paragem mais prolongada para degustar um “café solo” matutino e tagarelar em espanhol com a dona do café e em português com um dos clientes que ali se encontrava! Fundem-se assim nestes perímetros, culturas, histórias e vivências do dia-a-dia… em harmonia… e em duas línguas tão diferentes e tão iguais!


Ao sairmos do café… avistava-se bem diante dos nossos olhos… o amontoado de terra e rocha que teríamos de “galgar” para atingir o outro lado, onde se situaria Tourém, o nosso próximo destino! É nestes momentos que sentimos o “peso” da altimetria Geo-Raid, surgem 10Km’s de subida sem dó nem piedade, onde o caminho é bem próximo do tortuoso! Pedra e regos em quantidade que baste! A componente técnica do percurso faz-se sentir nalgumas subidas e em quase todas as descidas! Pensar que vamos descansar e recuperar durante a próxima descida… é algo com que não podemos contar! A descida é por vezes tão ou mais exigente que a subida, obrigando a grande concentração para evitar o perigo! Mas… é disto que a gente mais gosta!!


Na aproximação a Tourém (ainda do lado espanhol) começamos por avistar a albufeira do Rio Salas. Nesta altura do ano, com um nível muito baixo, permite por a descoberto dezenas de muros de pedra, configurando um cenário de espectacularidade única… ímpar! Muito Bonito! Sem trilhos demarcados, com navegação “livre” direccionamo-nos para a ponte que permite a entrada em Tourém! Já sobre o tabuleiro da ponte… a digital fotografa sem descrição, quer à direita, quer à esquerda! Paisagens sublimes a compensar o esforço das subidas mais agrestes do dia!


Tourém aldeia com cerca de 185 habitantes, é a freguesia mais visitada pelos Galegos, vulgarmente chamada de ”dedo português metido na Galiza”, face à configuração aérea do território português sobre o espanhol. Com traços típicos do Barroso e novamente calçada repleta de bosta de vaca ainda fumegante (lol), efectuámos pequena pausa junto ao Ecomusueu de Tourém afim de restabelecer energias! Era hora de comer algo mais potente… o território espanhol esperava de novo por nós… e o cenário não se esperava nada “macio”!!!


Entrámos novamente em Espanha, com os marcos de pedra “E” a dar as boas vindas… esperando-nos a longa subida que nos levaria ao Alto do Pisco, pela Serra do Xurês local emblemático a 1350 m de altitude, com uma envolvente brutal. As cores do Outono (castanho, amarelo e algum verde) marcavam o nosso olhar. A vegetação baixa, arbustiva, com poucas árvores e muita pedra, faz deste cenário… um quadro inigualável! São momentos como estes, que nos fazem sentir vivos e agradecer a Alguém a oportunidade que nos deu em podermos estar ali e absorver aquele espectáculo natural! Indescritível…. Simplesmente fantástico!


A etapa continuava seguindo por mais um local emblemático das terras barrosãs - Pitões das Júnias (Km 60). Outrora Santa Maria das Júnias, hoje Pitões das Júnias é conhecida como a capital do turismo Barrosão, sendo em simultâneo a capital do Parque Natural do Gerês. Aldeia situada a cerca de 1200 metros de altitude, no extremo norte de Portugal, com um clima inóspito no inverno e a consequente imigração contribuíram para que a aldeia conservasse a sua pequena população e o característico aspecto medieval. As construções em pedra e a beleza natural do lugar deram lugar ao turismo ecológico e rural na região. Na verdade, também nós somo turistas que por aqui passamos e tentamos “beber” algo de enriquecedor nestes cenários diferentes dos nossos.


Efectuámos uma pequena paragem no Restaurante Dom Pedro, tipicamente decorado com produtos regionais e artigos de lavoura, onde bebemos uma bebida fresca acompanhada por uma sandes bem aviada! Restabelecidas energias… demos continuidade ao nosso propósito! Paredes (Km 69) e Parada do Outeiro (Km72) foram os lugares que se seguiram, com passagem no espectacular troço bem junto à Barragem da Paradela! Um cenário que faz as delícias a quem gosta da conjugação entre o verde campestre e o azul do ceú e da água! O património romano é mais uma das marcas fortes nesta zona do percurso, onde uma longa geira romana em constante sobe e desce é percorrida, sempre com os nossos olhos atentos na sublime paisagem que se tem sobre o extenso espelho de água da Paradela. A beleza desta zona do Gêres é defacto brutal… e em completa sintonia com a dificuldade do terreno e da sua progressão! Pode dizer-se que estão em relação directa de proporcionalidade… tal beleza, tal dureza!


A alternância de trilhos, com caminhos de montanha e muitos caminhos antigos bordeados por muros de granito caracterizam esta etapa na sua grande maioria! Além disso a flora envolvente “pinta” este dia de uma forma singular pelos diferentes tons de verde e castanho das pastagens e das folhas dos carvalhos e castanheiros! O território transmontano oferece-nos imagens únicas… seja qual for a época do ano! Certamente a neve que sempre cai no inverno trás uma nova dimensão a este cenário… mas limitativa a uma etapa deste género!


As montanhas… como sempre… são o ponto forte deste tipo de etapas. E elas estavam de novo à nossa porta! Outeiro (Km 80), Loivos (Km 84), Cotim (Km 93) e São Pedro Km 95)… são aldeias, lugares ou lugarejos onde se vive em pontos altos da montanha transmontana. É o coração do Gerês… não esquecendo que falamos do 2º pico mais alto de Portugal Continental! Apesar da dificuldade, cada curva vencida, cada desnível conquistado… oferece-nos imagens surpreendentes! Imagens longínquas de cumes, vales, pequenas povoações perdidas no intemporal do maciço rochoso envolvente! Nestes locais… de há uns anos a esta parte começaram a nascer um tipo de “árvores” gigantescas, com astes enormes, zoando ao sabor do vento! Chamam-lhes aerogeradores de energia eólica, colocam-nos sempre em sítios altos, ventosos e de difícil acesso (pelo menos em 2 rodas)! Também estes gigantes fizeram parte do nosso final de dia… semeados ordenadamente pela cumeada da Serra do Gerês, onde atingimos os 1250 metros de altitude no final de 8 Km’s de ascensão!

No Ourigo (Km 103), quase no final da última subida do dia, a máscara de esforço marcava as nossas faces! Era um sentimento contraditório! Esforço recompensado! Vitória sem prémio! Obstinação pelo objectivo! Suor e emoção! Passavam 15 minutos das 18 horas quando chegávamos ao ponto onde no início do dia tínhamos detectado o erro de navegação! Tínhamos ainda 45 minutos de luz solar até às 19h e cerca de 6 km’s de descida vertiginosa rumo a Montalegre! Cheirava a Sucesso nesta 1ª Etapa! Confesso que voltei a sentir aquele mesmo sentimento que já me era familiar do final de etapa do GR Lousã e final de etapa do GR Estrela! Um sentimento que me fascina e vicia neste tipo de aventuras onde é posto à prova a nossa capacidade psicológica e determinação física!

Do cimo do Ourigo até Montalegre já conhecíamos o trajecto (mas em sentido oposto)! Era sempre a descer…e em bom piso! 6 Km’s finais… floresta abaixo, que nos fazem arrepiar e… pensar em todos os bons momentos e dificuldades sentidas ao longo deste comprido dia! Chegámos a Montalegre rendidos à espectacularidade dos cenários percorridos! O Sol começava a descer para se esconder atrás das distantes montanhas … aquelas que calcorreámos durante o nosso 1º Dia! Tínhamos as fotografias finais do dia para fazer: Largo do Município de Montalegre junto ao Brazão de Portugal e já em tom de relaxamento e missão cumprida no relvado do Castelo Medieval da vila, portas meias com o nosso Quartel General - Casa do Castelo!



Tínhamos cumprido os 109Km’s programados, mais 7Km’s de engano de navegação! 116Km’s é um número pesado de Km’s para uma altimetrica montanhosa como esta… apesar disso, senti que estávamos a viver um dos melhores momentos de BTT… de sempre! O tempo era agora de descanso, repouso e recuperação energética para nos embrenharmos no Dia 2 do Geo-Raid Montalegre, com a grandiosidade da Serra do Larouco a mostrar-nos a sua beleza, grandeza e… também dureza!!! Esse dia… era já daqui a umas horas!!
.