Boas a todos!
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Depois de um final de dia cheio de emoções fortes, misto de alegria e algum cansaço, com a alma plena de bons momentos e memórias fotográficas nunca antes vistas, era mesmo tempo de descansar, recuperar energias e prepara-nos física e mentalmente para a continuação da aventura, já daí a algumas horas.
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A pitoresca mas requintada Casa do Castelo iria nas próximas horas proporcionar-nos a recuperação e o ansiado descanso depois de um dia em cheio. Com a aproximação da hora de jantar e depois de um retemperador banho, era tempo de descermos ao bar-café, no rés-do-chão desta bonita casa turística e apreciar o bem-vindo calor da granítica lareira, onde o lume já arde há algumas semanas, porque por aqui as noites já são frias.
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Ali mesmo ao lado, na pequena mas bem apetrechada cozinha, aberta ao olhar de todos a cozinheira movia-se com um á vontade de quem domina bem a sua arte… iguarias de Montalegre são com ela! Mesmo em frente, na típica mas refinada sala do restaurante, a dona deste bonito cantinho recebeu-nos com o calor próprio destas gentes, afáveis, singulares, oferecendo-nos uma mesa agradável, com as originais cadeiras a dar o merecido descanso ás pernas…. Era tempo de comer e repor as energias gastas!
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A sopa fumegante cheirava a Portugal e sabia a terra fecunda, confortando-nos o estômago com um travo delicioso a feijão e couve repolhuda… Para segundo, a gastronomia local foi incontornável – uma deliciosa Posta Barrosã preencheu-nos o prato com a batata assada e os legumes a complementar. Para quem não sabe a Posta Barrosã é o ex-líbris gastronómico desta região – um belo naco da rabada do vitelo barrosão, considerada como carne de primeira. A título de exemplo o bife de vitela é por aqui é carne de 3ª e da carne de vaca nem se fala… E têm razão! Que delicia de carne! Nunca, nunca tinha provado tal sensação nas minhas papilas gustativas! Excelente!
Para terminar um docinho de coco, a lembrar as sobremesas da minha avó, que ainda me acentuou mais a sensação de papinho cheio! Estava que nem podia! Que bem se come por estes lados! Para terminar uma boa conversa com o dono da Casa do Castelo, um genuíno montalegrense, profundo conhecedor da sua terra, que com um à vontade de quem sabe receber, nos brindou com uma amena cavaqueira acompanhada de uma típica “queimada” (aguardente queimada com mel, café e fruta) feita para o Chakal, o famoso cozinheiro que nessa noite estava no Castelo a gravar mais um programa de culinária… sorte a nossa!
Foi assim a nossa recuperação, complementada com um sono dos justos na calmaria e sossego da zona, onde ninguém nos incomodou, somente os sonhos e emoções que nos esperavam na etapa seguinte… mais um dia em cheio amanhecia e esperava por nós!
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O Noroeste Transmontano é tipicamente mais povoado e nem neste cantinho, quase inóspito e distante, isto deixa de ser uma verdade. Neste segundo dia esperava-nos novamente um Georaid diferente de todos os anteriores, mais bonito, com menos quilometragem e visitando inúmeras aldeias – 14 ao todo, ao longo desta incursão à zona Nordeste de Montalegre, privilegiando agora a visita á Serra do Larouco, a terceira mais alta de Portugal Continental.Seria mesmo a Serra do Larouco o factor mais importante desta 2.ªa etapa, pois para além de ser uma das subidas mais importantes do dia, é em termos paisagísticos e biológicos um marco relevante para todo o trajecto pois marca duas realidades distintas – a primeira parte do percurso iria calcorrear a vertente mais oeste da montanha, dominada pela influencia do Rio Cávado, uma zona mais atlântica, mais húmida onde dominam os carvalhais, as turfeiras, as terras de regadio e o granito, sempre com uma fauna riquíssima.
. Passado o Larouco para este, entraríamos na segunda parte do percurso, onde predomina um clima mais continental, com os castanheiros, os campos de sequeiro e algum xisto na zona de Gralhas a marcar a paisagem, sendo os ribeiros afluentes já não do Cávado mas sim do Tâmega e consequentemente do Douro.
.Tal como no primeiro dia, este alvoreceu solarengo mas frio, a lembrar que estamos em pleno planalto do extremo norte de Portugal, brindando-nos com a mesma paisagem avassaladora do dia anterior – ao fundo as montanhas despertavam, iluminadas pelos primeiros raios de sol, com o vale a seus pés ainda dominado pela luz da madrugada e um nevoeiro baixinho a dar um ar de terra do além…. Bonito, muito bonito!
.Depois de mais um madrugador pequeno-almoço, dominado pelo presunto da região e um doce de abóbora e marmelada caseiros, capazes de fazer crescer água na boca a um ermita, era tempo de pegar nas manas Trek e fazer-nos aos 70 km da 2.ª etapa deste Georaid de Montalegre, considerada a mais bonita desta série, mas nem por isso menos exigente quer em termos físicos, quer em termos técnicos… nada que nos atormentasse muito – estávamos ali sobretudo para apreciar toda a plenitude do momento, todo o gozo proporcionado por pedalar neste Portugal profundo, sensações indescritíveis, que somente vividas podem ser entendidas e interpretadas pelos seus protagonistas.
.Pouco passava das 08 horas quando fizemos a foto de grupo da praxe, novamente com o Castelo em pano de fundo, só com a diferença das camisolas vestidas pois a dupla mantinha-se a mesma – FMike e JValente - BTTHAL em acção! A saída fez-se em pendente descendente até aos 900 m, em direcção ao vale sobranceiro ao Cabeço das Fragas, onde para lá chegarmos começamos por palmilhar um trilho recentemente lavrado, que pôs á prova logo todo o potencial das suspensões dianteiras, numa altura em que os pulsos ainda acusavam o desgaste do dia anterior, com o rabinho igualmente dorido a queixar-se… mas quem corre por gosto!...
A paisagem aquela hora era simplesmente divinal pois a neblina matinal, conjugada com a luz solar criava um panorama fotográfico raro… muito bonito.
. O momento seguinte era de subida até aos 1250 m, que serviria para dar o primeiro aquecimento às pernas, que no meu caso se estendeu ao corpo todo, pois rapidamente tirei os manguitos tal foi o calor que comecei logo a sentir… a fornalha estava ao rubro! E as emoções também!
O estradão alongava pela encosta quase despida e parecia um luxo depois dos trilhos do dia anterior, mas… nem tudo o que parece é, e o GPS rapidamente começou a dizer que era para a esquerda quando o estradão continuava á direita… gaita… mais um trilho tipo parede, técnico q.b., pejado de paus, mato e pedras soltas, o ideal para acordar os sentidos.
Mas no final da íngreme subida, a vista premiou o esforço ao permitir estender os sentidos até ao horizonte longínquo – para sul acordava lentamente Montalegre com o vale nevoento a seus pés; Donões e Sabuzedo para Oeste brilhavam na sua pacatez de pequenos lugares; para Norte e Este dominava numa verdadeira paisagem de montanha em pleno Outuno, com os Cabeços das Lamas, Alto e Maceiras brilhavam, despidos de floresta mas dourados pela vegetação seca de final de Verão e o Larouco lá longe a desafiava-nos do alto dos seus mais de 1500 m… A gente já lá vai!
Seguiu-se uma doce descida que nos levou novamente aos 1000 m onde entramos na primeira aldeia – Padroso (km 12) que aquela hora ainda dormia, na rusticidade das suas graniticas casas típicas, com um Tareco a espiar-nos a medo por debaixo da porta… “Querem ver que me dão cabo da caça aos ratos?”
Atravessado o Cávado na região dos Gamelados, seguia-se o começo da segunda subida do dia que nos levaria até ao Larouco, passando primeiro pela aldeia de Padornelos, localizada no Alto da Fontela, onde para chegarmos fizemos mais uma belíssima calçada romana, com uma pendente invejável. Já na aldeia foi tempo de fotografar, conviver e apreciar as lides do povo barrosão, que no seu linguajar espontâneo mas bem picante, capaz de fazer corar uma corista, iam preparando os animais para mais um dia de labor agrícola.
A pendente continuava em ascendência, quando na base do Larouco, tivemos o avistamento de mais um grupo de garranos com os respectivos potros, que debicavam tranquilamente a vegetação da serra, a titulo de pequeno-almoço, mantendo-se calmos á nossa passagem pois decerto estarão habituados á presença humana, devido á proximidade da pista de parapente.
Apesar da sua imponência singular – uma serra pejada de vegetação baixinha, sem árvores, um verdadeiro caramouço de fazer suar as estopinhas, o Larouco não foi subido na sua totalidade pois quase a 1400 m, ao km 18, o track embicava para uma passagem entre o topo do Larouco e o vizinho Larouquinho, onde começava uma descida até Gralhas.
Bem uma descida até aos 900 m…. Que bom… Vamos descansar… Nada mais errado! Como sempre, descidas neste Georaid, - regos, pedra solta, areão, pendentes excessivas, continuavam a ser sinónimo de dificuldade, exigência técnica e alguma atenção pois seria fácil cair aqui e pôr toda a aventura em risco pelo que a descida foi feita com ponderação e alguma calma, embora a paisagem fosse novamente gratificante! Muito bonito!
Feita a descida e já na base sul do Larouco, entravamos ao km 24 na aldeia de Gralhas, conhecida pela sua população afável, gente rija, maioritariamente constituída por lavradores e pastores, o sítio ideal para uma cafezada, onde pudemos mais uma vez constatar o linguajar típico bem picante, mesmo em idosos com 80 ou 90 anos…. Super divertido….eheheheheh...
Com a cafeína no bucho e depois de uma “sentido adeus” á “malta” idosa, saímos da aldeia por alguns singles, atravessando a EN 508 em direcção a outro majestoso “caroço”, o Picoto da Lagoa, por um trilho que evidenciava bem que estávamos em altitudes de neve, pois era dominado novamente por vegetação baixinha e inúmeros regos e pedra solta que dificultava a progressão. Não subimos ao alto deste cabeço fazendo uma viragem para Meixedo (km 28), outra aldeia onde fizemos mais alguns singles técnicos, aqui e ali pejados de pedras….uiiii meus pulsos!
A pendente continuava em subida, pois estávamos a começar a 3.ª subida do dia que nos iria levar até perto dos 1200 m, passando por Codeçoso (km 30), São Mateus (km 35) sempre em direcção ao topo do Alto do Manjão, passando pelos VG do Gordo, Ferronho e Vigia, todos acima de 1200 m, umas serranias caracterizadas por intensa floresta de pinheiro e carvalho, bem verdejantes a contrastar a primeira parte antes do Larouco, muito mais seca e sem floresta…. Esta região é mesmo uma terra de contrastes…
Lá no alto dos 1200 m obtivemos mais uma excelente paisagem para sul, com a Barragem de Pisões – Alto Rabagão, a dominar, com o seu imenso lençol aquífero, mais uma paisagem de sonho…
Era tempo de descer até aos 875 m, novamente por terrenos difíceis, agravados pela passagem de fogo na zona, que empobreceu a paisagem. As aldeias seguintes eram Cortiço (km 40), Gralhós (km 43), Aldeia Nova do Barroso (km 45), Peireses (km 48), e arredores de Medeiros (km 50), aldeias singulares desta zona, dominadas pelo casario típico, muito dele abandonado, onde entramos sempre por trilhos estreitos e singles, alguns bem técnicos, por vezes com a estrada alcatroada mesmo ao lado…. Grrrr!!!
Mas o track era para cumprir e foi sempre cumprido na íntegra! È assim que se descobrem cantinhos imemoráveis! Até tivemos direito a uma foto de pormenor ao gado vacum da zona, dose extra de castanhas á borla e inclusive dormitar nuns farditos de palha, que naquele momento pareciam camas tipo ortopédicas, pois o corpinho ia maçado e pedia descanso… mas era preciso continuar!
Num constante sobe e desce, sempre bem exigente, chegamos a S. Vicente de Chã (km 53) onde esperávamos encontrar um cafezito para beberricarmos algo mais musculado… mas nada! Tudo deserto! Só fontes, sempre com água cristalina… e claro… bosta por todo o lado! Mais nada!
Lá seguimos até Torgueda (km 54), onde no alpendre da igreja matriz acabamos por comer mais qualquer coisita para preparar as pernas para a última subida do dia, que nos desafiava com as suas eólicas lá bem no cimo, a contrastarem com o azul celeste.
Depois de Torgueda entramos então num dos trilhos mais bonitos do dia, bastante acessível, passando inicialmente por inúmeras zonas de lameiros, verdejantes e pejados de levas de água, sempre ao redor desta aldeia, entrando depois em Castanheira (km 55), onde mais uma vez um dupla de idosas, curiosas com a nossa presença, lá meteram conversa com este dois “putos” vestidos de lycra e com ar de alucinados, que suscitavam imensa curiosidade… “Vão para Montalegre? Pela serra? Ai coitadinhos…”
Pois é… serra acima até aos 1250 m, até às eólicas, até à glória de completar mais um Georaid! Mas era preciso lá chegar, pelo que pedal ante pedal, lá fomos vencendo as curvas de nível, sempre com a paisagem a premiar-nos pela astúcia de lá subirmos – a barragem lá do alto tem outra beleza!
Passados os Altos do Muro Cavalo, Cambezes e Fachos, entravamos novamente em zona de floresta verdejante, onde os raios solares da tarde davam bonitas imagens ao trespassar todo aquele arvoredo. Pouco a pouco as árvores começaram a ser substituídas pelo aço do parque eólico da Serra das Treburas, que com a sua imponência dominam todo o cume da serra – era ali o nosso ponto de glória, pois a partir dali era sempre a descer até Montalegre!
Estava quase…
Com a zoada das pás em tom de fundo, e já bem perto das 15 h que atingimos o cume da Serra, onde pudemos gozar o momento de termos alcançado mais alguns topos deste nosso bonito Portugal. O Georaid de Montalegre estava "a dar as últimas", a alma ia cheia de bons momentos e fantásticas paisagens e o corpo… bem esse ia maçado mas contente! Era mais uma daquelas que fica na memória dos “Reais Empenos”… fantástico!
Era tempo de descer, até porque tínhamos a dona da casa do Castelo á nossa espera para nos dar oportunidade de tomar uma banhoca para regressarmos a CBranco. Rapidamente, pois o trilho assim o permitia, foi num zig-zag constante, bem adrenalinico, que chegamos novamente á Praça do Municipio de Montalegre, onde escolhemos a estátua do João R. Cabrilho para fazermos as fotos finais.
Para quem não sabe este cronista-explorador-navegador do séc. XVI, que descobriu a Califórnia ao serviço da coroa espanhola, é natural de uma aldeia perto de Montalegre (alguns historiadores dizem de Sesimbra) e tem diversos monumentos elucidativos á sua memória.
Tal como ele, neste local concluíamos umas das mais alucinantes aventuras que já tínhamos feito na nossa pele de ciclo-turistas lúdicos, exploradores do Portugal profundo, navegadores de trilhos memoráveis – o Georaid de Montalegre, o 3.º da série – depois de Lousã e Estrela - aventuras épicas delineadas para este ano de 2010. S. Pedro do Sul ficará para 2011, assim a paisagem recupere o suficiente, talvez no final de Maio.
Resta-me acrescentar que para a sua boa “conclusão”, que não é mais que um “até já”, contribuiu decididamente o esforço global e colectivo enquanto equipa BTTHAL – palavras como entrosamento, cumplicidade, amizade e partilha são obrigatórias para concluir com sucesso tais aventuras, sempre num clima de descontracção, apreciação e embevecimento. Porque esta é a nossa postura – Obg. João Valente.
Outras estão no horizonte. Vamos manter este espírito. Quem comungar de tal maneira de estar é bem-vindo e apreciada a sua companhia... Porque seria bom ter mais amigos ao nosso lado!
,Até á próxima!
.FMike :-)