20 de outubro de 2010

Geo-Raid Montalegre - Dia 1

O antigo território do Barroso que abrange os actuais concelhos de Montalegre e Boticas, situa-se no extremo Noroeste Transmontano, portas meias com terras de Espanha! Os 357Km’s que distam da cidade de Castelo Branco são desde logo uma dificuldade à realização de uma aventura deste género! Mas… a mística envolvente ao cenário de alta montanha barrosã motiva-nos de maneira ímpar e impulsiona-nos a avançar em mais uma aventura que certamente perdurará nas nossas memórias!

Eu (João Valente) juntamente com o Fernando Micaelo rumámos a Montalegre no dia 12 de Outubro, com o objectivo bem definido… cumprir na íntegra os trilhos Geo-Raid Series® Montalegre 2010 nos seguintes dias 13 e 14 de Outubro. A expectativa era alta, e esperávamos viver momentos épicos no seio do ambiente mágico… e agreste do Barroso! Esperávamos absorver o que de mais valioso estas terras possuem… a natureza, a cultura e as gentes! As nossas bikes estavam prontas para a aventura e nós… nem se fala!!

Ficámos alojados na vila de Montalegre, na Casa do Castelo (aqui), uma residencial típica, com um processo de restauro muito cuidado e gosto requintado. O Castelo Medieval de Montalegre, soberba construção de outrora e em estado de conservação invejável… estava a cerca de 100 metros da “nossa” porta! A proximidade a este símbolo do Barroso, inspirava-nos confiança, e vontade para vencer as dificuldades dos 2 dias que se avizinhavam!

Geo-Raid Montalegre - Dia 1

13 de Outubro - 7:45 - Energias recompostas com lauto pequeno-almoço na Casa do Castelo, TrekBikes prontas, fotografia nº1 com o Castelo de Montalegre em background. Iniciava-se o Dia 1 do “nosso” Geo-Raid Montalegre! Embora se registe alguma instabilidade no clima nesta altura do ano, as previsões apontavam para 2 bons dias soalheiros de puro BTT! Tivemos temperaturas baixas no início e no final do dia, muito motivadas pela altitude a que fica Montalegre. Iríamos percorrer zonas de alta montanha, quase sempre acima dos 1000 metros de altitude, pelo que era importante termos algum agasalho e em simultâneo a possibilidade de nos sentirmos frescos nas horas mais quentes do dia: Camisola térmica de manga comprida, Jersey de manga curta, manguitos e calções (as pernas… essas não iriam passar frio!)… foram as nossas opções para este 1º dia.
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À saída da zona do Castelo fomos desde logo brindados com uma paisagem avassaladora! O miradouro permitia-nos observar um longo manto de nevoeiro baixo, deixando ver aqui e acolá… lá em baixo… os telhados habitacionais. Num nível bem acima… os picos montanhosos faziam-nos relembrar que iríamos embarcar uma aventura Geo-Raid onde a montanha e os marcados perfis são imagem de marca!

Percorríamos as ruas e ruelas de Montalegre… desertas… e sentia-se no ar o cheiro invernal da lareira acesa, espectacular! Depressa entrámos em trilhos de pinhal denso, em ascensão ligeira e bom piso, km após km… era importante fazer um bom aquecimento! A subida ia acentuando, os km’s avançavam e o estudo altimétrico que sempre fazemos nestas incursões não estava nada condizente com a progressão no terreno! Esquisito (pensei!) Estávamos a subir demais relativamente ao estudado! Ao Km 6 parámos e o FMike analisou o GPS… erro de navegação!!! De facto estávamos no trilho a percorrer, no entanto, já no trilho de regresso! Cerca de 3-4km’s percorridos, em subida, erradamente! Perdemos aqui algum tempo, que nos poderia ser precioso para terminar a etapa com sucesso! A gestão da luz solar era uma preocupação fundamental, e os estimados 108 (duros) Km’s não nos davam muita margem de manobra! Um misto de preocupação, frustração e irritação instalou-se entre nós! O FMike não se perdoava! Na verdade, o aspecto da navegação torna-se bem mais complicado de realizar quando fazemos este tipo de percurso em autonomia, uma vez que não se pode descurar a leitura correcta do GPS! Ainda para mais… quando apenas um de nós tem a cargo essa responsabilidade! Uma viragem mais brusca… faz-nos perder a rota facilmente! Foi o sucedido! 180º, voltámos a descer o que tínhamos subido, para depois entrar no trilho correcto!



Um trilho algo acidentado, recentemente lavrado, onde as chuvas da semana anterior fizeram estragos consideráveis! Para além de acidentado, terreno muito pesado! A sua progressão levou-nos até Cambeses do Rio (Km7), aldeia que subsiste com base na pecuária e na agricultura de subsistência, sobretudo na produção de batata e centeio. O gado bovino ou vacum é uma realidade destas gentes e bem presente diante dos nossos olhos… e narizes!!!! As ruelas empedradas e ladeadas de antigas casas de pedra roliça encontram-se pejadas de excrementos (vulgo bosta!) em toda a sua continuidade! Digno de ser visto! O cheiro é característico e funde-se com o cheiro a fumo proveniente das lareiras! Alguém nos disse que nas terras frias do Barroso a lareira está a arder 10 meses no ano!!


O isolamento geográfico a que estas terras estiveram (e estão!) votadas até algumas décadas atrás, fez com que um rico e bem conservado património natural e cultural sobrevivesse até aos dias de hoje. Encontramos vestígios arquitectónicos de diferentes períodos da história, aldeias de construção tradicional, e extensas manchas de carvalhal ao longo dos Km’s percorridos! A passagem sobre o Rio Cávado ilustra um desses momentos! A neblina sobre as águas torna-as místicas e a ponte milenária onde passa o PR de Fiães do Rio é simplesmente sublime!

Contrariamente a outros percursos Geo-Raid, contactamos muito de perto com as gentes e lugares destas zonas. Neste primeiro dia atravessámos ou ladeámos com muita proximidade 14 aldeias barrosãs. Este aspecto, confere-nos uma experiência cultural dos usos e costumes bem mais rica que outras edições Geo-Raid.

Seguiram-se as aldeias de Frades, Sezelhe e Travassos, que nos fizeram companhia entre os Km’s 12 e 15, brindando-nos com pequenos tesouros destas terras. Espigueiros marcados pelo tempo ainda hoje em utilização, calçadas cheias de histórias e memórias, a senhora de lenço na cabeça e enxada ao ombro com olhar desconfiado, o gato que espreita a medo pela porta envelhecida… as teias de aranha por trás da janela de madeira! Pormenores… sim pormenores que nos enchem a alma e nos fazem enriquecer a história da nossa aventura… muito mais do que um simples pedalar!

Até Vilar de Randim (Km 35) percorremos algumas zonas mais inóspitas, mas de similar beleza natural. A altimetria torna-se mais exigente, as subidas mais íngremes aparecem, chegando a pedalar perto dos 1400 metros de altitude. Entrámos em perímetro espanhol, bem demarcado por diversos marcos fronteiriços onde o “P” relembra que estamos em Portugal e o “E” aponta para território de “nuestros hermanos”! Era possível ter um pé… ou uma roda em cada país! Uma novidade na história do Geo-Raid e também nas nossas aventuras em BTT!!


Em Vilar de Randim efectuámos uma paragem mais prolongada para degustar um “café solo” matutino e tagarelar em espanhol com a dona do café e em português com um dos clientes que ali se encontrava! Fundem-se assim nestes perímetros, culturas, histórias e vivências do dia-a-dia… em harmonia… e em duas línguas tão diferentes e tão iguais!


Ao sairmos do café… avistava-se bem diante dos nossos olhos… o amontoado de terra e rocha que teríamos de “galgar” para atingir o outro lado, onde se situaria Tourém, o nosso próximo destino! É nestes momentos que sentimos o “peso” da altimetria Geo-Raid, surgem 10Km’s de subida sem dó nem piedade, onde o caminho é bem próximo do tortuoso! Pedra e regos em quantidade que baste! A componente técnica do percurso faz-se sentir nalgumas subidas e em quase todas as descidas! Pensar que vamos descansar e recuperar durante a próxima descida… é algo com que não podemos contar! A descida é por vezes tão ou mais exigente que a subida, obrigando a grande concentração para evitar o perigo! Mas… é disto que a gente mais gosta!!


Na aproximação a Tourém (ainda do lado espanhol) começamos por avistar a albufeira do Rio Salas. Nesta altura do ano, com um nível muito baixo, permite por a descoberto dezenas de muros de pedra, configurando um cenário de espectacularidade única… ímpar! Muito Bonito! Sem trilhos demarcados, com navegação “livre” direccionamo-nos para a ponte que permite a entrada em Tourém! Já sobre o tabuleiro da ponte… a digital fotografa sem descrição, quer à direita, quer à esquerda! Paisagens sublimes a compensar o esforço das subidas mais agrestes do dia!


Tourém aldeia com cerca de 185 habitantes, é a freguesia mais visitada pelos Galegos, vulgarmente chamada de ”dedo português metido na Galiza”, face à configuração aérea do território português sobre o espanhol. Com traços típicos do Barroso e novamente calçada repleta de bosta de vaca ainda fumegante (lol), efectuámos pequena pausa junto ao Ecomusueu de Tourém afim de restabelecer energias! Era hora de comer algo mais potente… o território espanhol esperava de novo por nós… e o cenário não se esperava nada “macio”!!!


Entrámos novamente em Espanha, com os marcos de pedra “E” a dar as boas vindas… esperando-nos a longa subida que nos levaria ao Alto do Pisco, pela Serra do Xurês local emblemático a 1350 m de altitude, com uma envolvente brutal. As cores do Outono (castanho, amarelo e algum verde) marcavam o nosso olhar. A vegetação baixa, arbustiva, com poucas árvores e muita pedra, faz deste cenário… um quadro inigualável! São momentos como estes, que nos fazem sentir vivos e agradecer a Alguém a oportunidade que nos deu em podermos estar ali e absorver aquele espectáculo natural! Indescritível…. Simplesmente fantástico!


A etapa continuava seguindo por mais um local emblemático das terras barrosãs - Pitões das Júnias (Km 60). Outrora Santa Maria das Júnias, hoje Pitões das Júnias é conhecida como a capital do turismo Barrosão, sendo em simultâneo a capital do Parque Natural do Gerês. Aldeia situada a cerca de 1200 metros de altitude, no extremo norte de Portugal, com um clima inóspito no inverno e a consequente imigração contribuíram para que a aldeia conservasse a sua pequena população e o característico aspecto medieval. As construções em pedra e a beleza natural do lugar deram lugar ao turismo ecológico e rural na região. Na verdade, também nós somo turistas que por aqui passamos e tentamos “beber” algo de enriquecedor nestes cenários diferentes dos nossos.


Efectuámos uma pequena paragem no Restaurante Dom Pedro, tipicamente decorado com produtos regionais e artigos de lavoura, onde bebemos uma bebida fresca acompanhada por uma sandes bem aviada! Restabelecidas energias… demos continuidade ao nosso propósito! Paredes (Km 69) e Parada do Outeiro (Km72) foram os lugares que se seguiram, com passagem no espectacular troço bem junto à Barragem da Paradela! Um cenário que faz as delícias a quem gosta da conjugação entre o verde campestre e o azul do ceú e da água! O património romano é mais uma das marcas fortes nesta zona do percurso, onde uma longa geira romana em constante sobe e desce é percorrida, sempre com os nossos olhos atentos na sublime paisagem que se tem sobre o extenso espelho de água da Paradela. A beleza desta zona do Gêres é defacto brutal… e em completa sintonia com a dificuldade do terreno e da sua progressão! Pode dizer-se que estão em relação directa de proporcionalidade… tal beleza, tal dureza!


A alternância de trilhos, com caminhos de montanha e muitos caminhos antigos bordeados por muros de granito caracterizam esta etapa na sua grande maioria! Além disso a flora envolvente “pinta” este dia de uma forma singular pelos diferentes tons de verde e castanho das pastagens e das folhas dos carvalhos e castanheiros! O território transmontano oferece-nos imagens únicas… seja qual for a época do ano! Certamente a neve que sempre cai no inverno trás uma nova dimensão a este cenário… mas limitativa a uma etapa deste género!


As montanhas… como sempre… são o ponto forte deste tipo de etapas. E elas estavam de novo à nossa porta! Outeiro (Km 80), Loivos (Km 84), Cotim (Km 93) e São Pedro Km 95)… são aldeias, lugares ou lugarejos onde se vive em pontos altos da montanha transmontana. É o coração do Gerês… não esquecendo que falamos do 2º pico mais alto de Portugal Continental! Apesar da dificuldade, cada curva vencida, cada desnível conquistado… oferece-nos imagens surpreendentes! Imagens longínquas de cumes, vales, pequenas povoações perdidas no intemporal do maciço rochoso envolvente! Nestes locais… de há uns anos a esta parte começaram a nascer um tipo de “árvores” gigantescas, com astes enormes, zoando ao sabor do vento! Chamam-lhes aerogeradores de energia eólica, colocam-nos sempre em sítios altos, ventosos e de difícil acesso (pelo menos em 2 rodas)! Também estes gigantes fizeram parte do nosso final de dia… semeados ordenadamente pela cumeada da Serra do Gerês, onde atingimos os 1250 metros de altitude no final de 8 Km’s de ascensão!

No Ourigo (Km 103), quase no final da última subida do dia, a máscara de esforço marcava as nossas faces! Era um sentimento contraditório! Esforço recompensado! Vitória sem prémio! Obstinação pelo objectivo! Suor e emoção! Passavam 15 minutos das 18 horas quando chegávamos ao ponto onde no início do dia tínhamos detectado o erro de navegação! Tínhamos ainda 45 minutos de luz solar até às 19h e cerca de 6 km’s de descida vertiginosa rumo a Montalegre! Cheirava a Sucesso nesta 1ª Etapa! Confesso que voltei a sentir aquele mesmo sentimento que já me era familiar do final de etapa do GR Lousã e final de etapa do GR Estrela! Um sentimento que me fascina e vicia neste tipo de aventuras onde é posto à prova a nossa capacidade psicológica e determinação física!

Do cimo do Ourigo até Montalegre já conhecíamos o trajecto (mas em sentido oposto)! Era sempre a descer…e em bom piso! 6 Km’s finais… floresta abaixo, que nos fazem arrepiar e… pensar em todos os bons momentos e dificuldades sentidas ao longo deste comprido dia! Chegámos a Montalegre rendidos à espectacularidade dos cenários percorridos! O Sol começava a descer para se esconder atrás das distantes montanhas … aquelas que calcorreámos durante o nosso 1º Dia! Tínhamos as fotografias finais do dia para fazer: Largo do Município de Montalegre junto ao Brazão de Portugal e já em tom de relaxamento e missão cumprida no relvado do Castelo Medieval da vila, portas meias com o nosso Quartel General - Casa do Castelo!



Tínhamos cumprido os 109Km’s programados, mais 7Km’s de engano de navegação! 116Km’s é um número pesado de Km’s para uma altimetrica montanhosa como esta… apesar disso, senti que estávamos a viver um dos melhores momentos de BTT… de sempre! O tempo era agora de descanso, repouso e recuperação energética para nos embrenharmos no Dia 2 do Geo-Raid Montalegre, com a grandiosidade da Serra do Larouco a mostrar-nos a sua beleza, grandeza e… também dureza!!! Esse dia… era já daqui a umas horas!!
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3 comentários:

  1. Parabéns por mais esta Brutal Aventura.
    Os cenários são lindíssimos tal como a descrição dos mesmos ( só faltou a bosta da vaca ter cheiro !!! hehehe ) para nos sentirmos mesmo lá.
    1 abraÇo.

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  2. Para mim foi a primeira vez que pedalei por estas terras barrosãs. A contrastar a dureza dos trilhos, a agrura das serranias está sem dúvida o calor das suas gentes, simples mas hospitaleiras e a beleza estonteante do horizonte... fantástico! Foi uma daquelas aventuras que fica para sempre na memória, sobretudo quando é feita neste espirito de equipa, entreajuda e amizade, disfrutando do prazer que uma bicicleta nos pode dar por esse Portugal fora! Haverá outras!

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  3. Eu chamo a isto o verdadeiro espírito de aventura em bicicleta. Reportagem perfeita, quer em fotografias quer em relato. Parabéns.
    São momentos que ficam para sempre.

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